"NINGUÉM DERROTA A MORTE SEM MATAR-SE"

Pesquisar

A Toca do Coelho

"Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias, do tempo."

Goethe

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

SONETO XXVIII

Como voltar alegre ao meu labor
Se não tenho tenho vantagem na dormida?
Se o dia tem na noite um opressor,
E a noite pelo dia é oprimida?
Mesmo inimigos ambos se mostrando,
Os dois se unem pra me torturar;
Um na labuta, o outro lamentando
Por meu labor de ti só me afastar.
Que tu brilhas por ele eu digo ao dia,
E o alegras, se o céu fica nublado.
Mas bajulo da noite a tez sombria:
Sem astros, tu lhes dá teu tom dourado.
Mas os dias só trazem dissabores,
E as noites fortalecem minhas dores.

William Shakespeare

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

The Infernal Comedy - Uma cronítica


"A verdade é um mentira que aconteceu." Luis Fernando Veríssimo

Já era tarde e quarta-feira quando saí daquele bar em Botafogo que sentenciava o meu dia de mergulhos extremos a um último trago. De anti-ácido agora. Era bem tarde e alcoólica demais para ater-me a preocupações prosaicas como blitz, acordar cedo, chaves do carro, "nada de humanos assuntos" diria Cecília - artista gosta de sentir-se voando acima de toda a iniquidade do mundo mesmo quando este mesmo mundo não o permite ao menos caminhar. Era bem tarde, frio e cantarolando um verso feio tropecei em Jhon Malkovich no ponto de ônibus. "Perdão, senhor. A que devo a honra?" O ponto se justificou com umas cores e luzes ofuscantes de um espetáculo no Teatro Municipal. Uma referência desse quilate em solo nacional era imperdível. "The Infernal Comedy" - Confissões de um Serial killer. Tema super interessante, rico, um prato cheio pra qualquer ator e uma promessa gastronômica de fazer abrir o apetite dramatúrgico com um mês de antecedência.

Enquanto meu estômago reclamava, garanti meu lugar na festa e de aperitivo, assisti  a outros espetaculozinhos daqui, feito por aqui mesmo, com gente daqui, preparando meu corpo e espírito para receber com dignidade e aproveitamento esta  inspiração internacional  que sublime estaria à poucos metros de distância. Eu, acostumada à pobreza do teatro brasileiro, à fome de recursos, à precariedade de infraestrutura, às migalhas de incentivo, ao fracasso, ao pequeno público vi o Teatro Municipal lotar. Bibi Ferreira compunha o elenco de uma platéia seleta reunida em cadeiras que iam cem à três mil reais. Fotógrafos, jornalistas, escritores, a elite intelectual carioca em peso estava presente para prestigiar a única apresentação da estrela.

Passei antes num sarau à beira mar para rever uns amigos, cuspir uns poemas e partir então, rumo à grande noite. Depois do terceiro sinal meu coração disparou e eu me sentia incendiada, febril. Meu trato pulsava ansiando pelo prato principal. O maestro iniciou a pequena orquestra. Em seguida a estrela da noite apresentou a si e duas cantoras líricas que contracenariam com ele. Acima, a legenda em português.

Conversa vai, conversa vem...

Quando depois de uma hora longa o espetáculo enfim terminou deixei a sala com vergonha das minhas próprias reflexões: "acho que ainda não alcancei o nível de trancendência necessária para apreciar um espetáculo como este com a devida competência". Calei e saí do teatro ruminando o prato com minha alma artística pobre, porém inquieta. Enquanto a elite intelectual carioca perdia a pose e se acotovelava na Cinelândia um busca de taxis insuficientes,ouvia comentários do tipo "texto meio pobre, né" , " eu não entendi P nenhuma" , "empenhei meu colar para ver isto"  e outros mais sórdidos. Os mais educados diziam algo como "um paradigma diferente" e o acampamento contra a corrupção em frente assustou os turistas que agarraram suas bolsas pensando se tratar de uma população de rua descontrolada .

Meu espanto converteu-se numa reflexão. Sucesso e qualidade não caminham juntos na maioria das vezes. No mundo da arte o fracasso é quase uma sentença das grandes obras, dos grandes legados. O talento genuíno, aquele impulso visceral que beira à loucura, caminha à margem da sociedade. O preço da vanguarda é a incompreensão. Esta dificuldade e a falta de recursos aguçam uma insatisfação e uma criatividade que gera um ritmo perene, apaixonado e suicida de expressão, de grito, de entrega, de arte no sentido mais estomacal da palavra.

 O Show business é, antes do show, um business e, por tanto, deve ser mediano (para não dizer medíocre) o suficiente  para que esta indústria alcance o grande público, se sustente e gere riqueza, fora os casos em que show está a serviço do comércio, da política e etc. Uma obra de arte desta abrangência e nota de importação não poderia ser sofisticada além do óbvio e trivial existencialismo manhoso. O ator cumpriu com excelência um protagonista raso e desinteressante, de um texto ralo e sem sustância. Como o bom ator que é, jogou o jogo e fez parte do todo.

Tornei ao sarau à beira mar que lá pelas tantas já estava vazio. Apenas o mestre dizia uns versos a esmo. Sentei-me ao lado de um suposto ouvinte e pedi uma feijoada. Eu estava com fome.


domingo, 9 de outubro de 2011

Eles não sabem


Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer

Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos

Como estes pinheiros altos
Que em verde e oiro se agitam
Como estas aves que gritam
Em bebedeiras de azul

Eles não sabem que sonho
É vinho, é espuma, é fermento
Bichinho alacre e sedento
De focinho pontiagudo
Em perpétuo movimento

Eles não sabem que o sonho
É tela, é cor, é pincel
Base, fuste ou capitel
Arco em ogiva, vitral,
Pináculo de catedral,
Contraponto, sinfonia,
Máscara grega, magia,
Que é retorta de alquimista

Mapa do mundo distante
Rosa dos ventos, infante
Caravela quinhentista
Que é cabo da boa-esperança

Ouro, canela, marfim
Florete de espadachim
Bastidor, passo de dança
Columbina e arlequim

Passarola voadora
Pára-raios, locomotiva
Barco de proa festiva
Alto-forno, geradora

Cisão do átomo, radar
Ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E que sempre que o homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos duma criança

Pedra Filosofal - Manuel Freire

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Canções do Mundo Inacabado - 2

Não acredites em tudo
que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante.


Quando não parece, é muito,
quando é muito, é muito pouco,
e depois nunca é bastante...


Foste o mundo sem ternura
em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua.


A água salgada me escuta
e mistura nas areias 
meu pranto e pranto da lua.


Penso no que dizias,
e como falavas, e como te rias...
Tua voz mora no mar.


A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar.


(Porque o tempo sempre foi
longo para me esqueceres
e curto para te amar.)

Cecília Meireles



terça-feira, 13 de setembro de 2011

Conselho de Amigo

Amigo
não conte comigo
mas me procures

Eu não estarei lá

não indagarei tuas razões
não chorarei tua dor
não celebrarei teus troféus
nem a tua chegada ou
partida assistirei

Teus amores, tuas bodas,
tua descendencia que te importe
e as certezas
que te assistam e reconheçam-te em paciencia e
o sagrado
lamente o óbito de sua morada

ainda que tarde
ou cedo repouse em chagas
no âmago de tua prece
o meu nome
não ao teu lado mas
distante
incoerente e fiel
permanecerei
Sou teu amigo
quando me buscardes de todo o vosso coração.

nathalia colombo




sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Se vai tentar
siga em frente.

Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.



Charles Bukowski

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Meu coração será sempre servo
daquele
que não quiser ser
o seu senhor.
nathalia colombo

domingo, 17 de julho de 2011

II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

Hilda Hilst - Dez Chamamentos ao amigo

Sui Generis



ESTE É UM país sui generis.
As putas gozam
Os cafifas se apaixonam
Os valentões apanham
Os ministros cantam e
As ministras dão.
Os machões também.
Os ladrões prendem
A polícia assalta
Os patrões fazem greve
Os ateus rezam
Os padres praguejam
Os catedráticos não lêem
Os analfabetos escrevem
Os banqueiros choram
Os mendigos dão esmola
Os gatos latem
Os cachorros miam
Os peixes se afogam
As frutas mordem
As formigas dão leite
As vacas põem ovos
            As galinhas têm dentes

            Então,
            Quer parar
De me cobrar
Coerência
Pô!

Mano Melo

sábado, 2 de julho de 2011

"If I seem superhuman I have been MISUNDERSTOOD ...."


Utensílios

poesia é inútil? sim,
como o amor, como o latim,
a esperança e o esperanto.
e tão necessária quanto.


Cairo Trindade

segunda-feira, 27 de junho de 2011

É hoje. É assim. É o que temos. É o é.
Agora já não é. O é é era. O agora já foi mas,
ainda não foi dessa vez.

nathalia colombo

segunda-feira, 20 de junho de 2011

SONETO DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce supresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De um brancura de manhã raiada

Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembra-te sempre com ternura.

Vinícius de Moraes

sábado, 18 de junho de 2011

Soneto do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.


E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.


Louco amor meu que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo


Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.


Vinícius de Moraes

domingo, 12 de junho de 2011

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?


Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?


Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.


Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuída pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.


Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade



sábado, 11 de junho de 2011

Clarice Lispector

"Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!"

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Demasiado Humano


Escancarei, por minhas mãos raivosas,
As chagas que em meu peito floresciam.
Versos a escorrer sangue eis escorriam
Dessas chagas abertas como rosas...

Assim vos disse angústias pavorosas
Em versos que gritavam... ou sorriam.
Disse-as com tal ardor, que todos criam
Esse rol de misérias fabulosas!

Chegou a hora de cansar... , cansei!
Sabei que as chagas todas que aureolei
São rosas de papel como as das feiras.

Que eu vivo a expor minh'alma nas estradas,
Com chagas inventadas retocadas...
Para esconder bem fundo as verdadeiras.

José Régio

domingo, 29 de maio de 2011

Felicidade x Mediocridade

" Lóri estava suavemente espantada. Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal assassinava docemente, aos poucos. E o que é que faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não tem coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo."

Clarice Lispector  - Uma Aprendizagem ou O livro dos Prazeres





terça-feira, 24 de maio de 2011

Poema da Curva


Não é o ângulo reto que me atrai,
Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo o homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual.
A curva que encontro no curso sinuoso dos nossos rios,
nas nuvens do céu,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,
O universo curvo de Einstein.
 


Oscar Niemeyer

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Dos meus delírios

Há um algo a dizer
que quer dizer
o que diz

uma angústia
luminosa nesta insônia
uma vida a bater no
seio do aprendiz

É preciso estar
vivo ainda do passado da hora
e lúdico dos
horizontes previstos

a vida está além da fronteira seguinte

entregar-se é um suicídio
vital e
viver é mortal

Não sei o que ser-me-ei no seguinte
mas sei que
terei sonhos.



nathalia colombo

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Enterrado Vivo


É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Meus Livros de Poemas (para Bibi Tornaghi)


Meus livros são 
bichinhos de pelúcia
dormem ao meu lado
me fazendo companhia

não fossem tão frágeis
até os abraçaria
com carinho e calor
meus livros de poesia

Mas veja bem 
que coisa
como foi acontecer

bem tola fui em
não antes perceber que

meus livrinhos de poemas
só vivem de serão
contando nos meus sonhos
o que está em meu coração

Vou até fazer vigília e 
ficar bem acordada para
ouvir seu ruído
escrever sua chamada

de luar e de estrelas
enfim adormecer
ouvindo meus livrinhos
vendo-os nascer.

nathalia colombo

terça-feira, 17 de maio de 2011

Quando?

Um dia vou escrever poemas.
Um dia vou escrever.
Um dia  vou.
Um dia.
Um.
.
nathalia colombo

domingo, 15 de maio de 2011

Coração Vulgar



Ser

O filho que não fiz
hoje seria homem
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.


Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro 
seu ombro nenhum.


Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?


Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me respondeste,
contudo chamava-te


como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.


O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 7 de maio de 2011

Soneto do Corifeu


São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua
Vinícius de Moraes

quarta-feira, 27 de abril de 2011

SARAVÁ STRESS ! SARAVÁ TRÂNSITO RUIM ! SARA CT !


Manifesto Verso Livre


  Todo verso nasce livre como capim
Vaso raso quebrado
Palavra de grosso calibre
Na Europa ou no caribe
Em Bagdá ou em Bombaim
Na Sibéria ou no Mississipi
A palavra corre ao vento no leito do abismo sem fundo.
Venham, palavras
Fazer parte desse mundo!
Brancas, negras, verdes, amarelas,
Penetras, peraltas, esquálidas, banguelas,
Eu vos saúdo palavras minhas, como filhas prediletas
Crescei e multiplicai-vos em outras palavras,
Até que voltem a ser o gesto raro, milimetricamente lírico
Batendo como um raio de sol na cabeça de cada casa
Em qualquer bairro,
Na favela ou na elite
Que a palavra grite no ar como um luar de brinquedo
Dissipando a escuridão.
Que cada homem ou mulher tome conta de seus medos
No vôo cego da solidão.
Que as rimas em ão bem como os trocadilhos infames,
Sejam abs(olvidos lá em cima, pela grande luz que nos ofusca.
Que os poetas sejam livres para ousar e humildes para aprender
Que cada poema seja o manifesto dessa busca

Claufe Rodrigues

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Calculus Lapis Est

Mais saber
que localizar o ponto
observar a tendência é.

nathalia colombo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O Guardador de Rebanhos IX

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.



Fernando Pessoa

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Notícia de Jornal


Tentou contra a existência
Num humilde barracão.
Joana de tal, por causa de um tal João.
Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.
Aí a notícia carece de exatidão,
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou.
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de joão
Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal

A dor da gente não sai no jornal.
Chico Buarque

quarta-feira, 23 de março de 2011

Naus Frágeis das Palavras

As palavras não cumprem o dizer
Antes
Perdem-se na rota 
de mares nunca dantes navegados


Dizer não é preciso


Converso 
com você
sem você
e logo
com você
Elas me faltam,
Naufragam


Num oceano de anseios
e cenas
imaginados.

nathalia colombo

sexta-feira, 18 de março de 2011

Lena Horne - Stormy Weather/If You Believe


   Lena Mary Calhoun Horne, nasceu em 30 de junho de 1917. Cantora e atriz, desde de cedo enfrentou uma série de obstáculos relacionados à família e à cor de sua pele que, se não fosse pela consciência de seu notável potencial, decretariam já no início, o fim de não somente de uma brilhante carreira nos palcos, mas de uma inspiradora história de vida atrelada as artes cênicas.
     Entre descrença, preconceito e perseguição política, Lena não apenas sobreviveu mas, viveu transparecendo por meio de sua potente voz e expressão corporal,  paixão, fé e total entrega, sendo precursora de muitas outras divas que trilhariam um caminho parecido.
     Faleceu em maio de 2010 aos 92 anos. E, antes mesmo dos prêmios e menções honrosas que recebeu em vida (e foram poucos em vista da raridade e da potência deste talento) Lena deixou às seguintes gerações de artistas, sua "pepita de ouro", seu mais importante e motivador legado: BELIEVE! 
nathalia colombo

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quando existo

Não é
quando penso
que existo
Nem quando sinto
Nem quando durmo
Nem quando amo


É, quando pressinto


o ruído de sorrisos e dentes na celeridade do pulso
o reflexo da emoção do brilho tão logo sombra
a derradeira ausência do olhar relutante
o ponto, a ponta, o encontro.


Quando o tempo me esquece
Quando as vozes se calam
Quando a chuva me escolhe
Quando o suor me escorre


No sangue extravasado
na angústia liquefeita
no verso enjeitado
na loucura à espreita


É,  quando pressinto
quando minto é
quando existo.


nathalia colombo

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Hilda Hilst

Se quiseram saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba senhor, que sempre me perdi


Na criança que fui tão confundida.


À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.


Eu era uma criança delirante.


Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer das coisas amantes.


O que vivia em mim, sempre calava.


E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido o mundo, este em que vivo


Ter rituais  e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil


Querer deixar um testamento lírico


E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.


Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)


A criança que foi. Tão confundida.


Hilda Hilst

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ontologia Sumaríssima

Umas quatro ou cinco coisas,
no máximo, são reais.
A primeira é só um gás
que provoca a sensação
de que existe no mundo
uma profusão de coisas.

A segunda é comprida,
aguda, dura e sem cor.
Sua única serventia
é instaurar a dor.

A terceira é redondinha,
macia, lisa, translúcida,
e mais frágil do que espuma.
Não serve para coisa alguma.

A quarta é escura e viscosa,
como uma tinta. Ela ocupa
todo e qualquer espaço
onde não se encontre a quinta
(se é que existe mesmo a quinta)

A qual é uma vaga suspeita
de que as quatro acima arroladas
sejam tudo o que resta
de alguma coisa malfeita
torta e mal-ajambrada
que há muito já apodreceu.

Fora essas quatro ou cinco
não há nada,
nem tu, leitor,
nem eu.



Paulo Herriques Britto

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Transfiguração

À sombra de tantas nós
Na trilha de muitos outros
Sob a inércia de cinco mil anos
Subjugada a luxuriosa exaltação
e tão logo, ao derradeiro adeus.
A guerra travada entre as milhões de mim
apazigua no sonho
no teu doce sono exaurido de carne,
carnificina
por detrás da cochia
do espetáculo da normalidade 
teu lindo sorriso
estampando minha primeira capa.


A intenção ferina
fere mais que a chaga 
Como o luar abranda a alma
de quem o amor levou a vaga
Não mudes, meu bem
Eu entendo também
Violência
mover uma vírgula tua,
transfiguração dói e apaga
a vida ao dizer amém.


Desfigurada
Já não tenho orgulhos de beleza
e nem vaidades pra ocultar defeitos
Aqueles
que somente quando
não negligenciada a atenção de mim
enxergarias o desejo
o teu exato ensejo.
Permanência a teu lado?
Amo-te nos versos alados
de carícias, inumeráveis
de paixão, marcados 
de vida, incontáveis
de pranto contido
de saudades invioláveis
ao que
lhe faço desejado de mim
e a mim
amada de ti.
nathalia colombo