Se quiseram saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba senhor, que sempre me perdi
Na criança que fui tão confundida.
À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.
Eu era uma criança delirante.
Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer das coisas amantes.
O que vivia em mim, sempre calava.
E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido o mundo, este em que vivo
Ter rituais e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil
Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.
Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)
A criança que foi. Tão confundida.
Hilda Hilst
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba senhor, que sempre me perdi
Na criança que fui tão confundida.
À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.
Eu era uma criança delirante.
Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer das coisas amantes.
O que vivia em mim, sempre calava.
E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido o mundo, este em que vivo
Ter rituais e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil
Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.
Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)
A criança que foi. Tão confundida.
Hilda Hilst
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