"NINGUÉM DERROTA A MORTE SEM MATAR-SE"

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A Toca do Coelho

"Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias, do tempo."

Goethe

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Hilda Hilst

Se quiseram saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba senhor, que sempre me perdi


Na criança que fui tão confundida.


À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.


Eu era uma criança delirante.


Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer das coisas amantes.


O que vivia em mim, sempre calava.


E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido o mundo, este em que vivo


Ter rituais  e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil


Querer deixar um testamento lírico


E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.


Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)


A criança que foi. Tão confundida.


Hilda Hilst

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