"NINGUÉM DERROTA A MORTE SEM MATAR-SE"

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A Toca do Coelho

"Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias, do tempo."

Goethe

sexta-feira, 23 de março de 2012

Se eu morrer novo...

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra
impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, ouçam isto:
Nunca fui senão um criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
( E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que
são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 2 de março de 2012

O nômade

Hoje entrei no Facebook e havia atualizações de uma amiga que não vejo há quase dez anos. Senti o desejo de saber como anda sua vida, o que tem feito, por onde tem andado... Vi algumas fotos dentre umas trezentas. Festas, formaturas, casamentos, crianças, encontrões, viagens...

Lembro-me da época em que estudávamos juntas. Lembro-me da época em que tínhamos tanto em comum. Eu nunca pertenci a grupo nenhum. Nunca fui de nenhum núcleo ou panelinha por muito tempo. Não sei porque. Era certo que cedo ou tarde eu trocaria de grupo. Visitaria outros, de uma forma bem nômade mesmo. E chegava no próximo como se conhecesse todos há milênios. Eles me enjoavam, era uma questão de tempo. Não demorava muito pra entender intuitivamente a psique daquele ensaio e ir embora, começar de novo, outro bando.

Vendo as fotos da minha amiga, reencontrei pessoas que eu nem lembrava que haviam passado pela minha vida. Foi bom vê-los. Seus rostinhos um pouco mais amadurecidos, se abraçando, curtindo essa amizade longeva, em ritos festivos periódicos. E mais uma vez me enjoei. Até caí por um instante na armadilha do arrependimento e da culpa de não ter cultivado, me integrado mais a eles. Mas logo vi que eu não poderia. São boa gente, mas não poderia estar com eles sem olhar o relógio e contar os segundos para ir embora, sem ouvir seus dilemas existências rasos e não me entediar, sem sentir náuseas ao posar para fotografias ensaiadas. Eu não poderia. Não pude. Não posso.

Mas, isso é um problema meu. Isolamento e tal, isso é meu. O lance, é que eu achava, eu realmente acreditava que essa galera, meus colegas de bando, tinham autenticidade, personalidade, tinham voz. Diferente de mim, que ironicamente, sempre me mesclei desde as patricinhas até os grunges. Embora eu não me interesse pelas suas vidas, é um pouco frustrante ver como tudo terminou. Sim. Eles não sabem, mas terminou. Terminou tudo numa grande e imensurável manada.

Nathalia Colón