"NINGUÉM DERROTA A MORTE SEM MATAR-SE"

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A Toca do Coelho

"Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias, do tempo."

Goethe

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

EMBRIAGAI-VOS



"É necessário estar sempre bêbedo.
Tudo se reduz a isso; eis o único problema.
Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo,
que vos abate e vos faz pender para a terra,
é preciso que vos embriagueis sem cessar.

Mas - de quê?
De vinho, versos ou virtude, como achardes melhor.
Contanto que vos embriagueis.

E, se algumas vezes,
nos degraus de um palácio,
na verde relva de um fosso,
na desolada solidão do vosso quarto,
despertardes,
com a embriaguez já atenuada ou desaparecida,
perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola,
a tudo o que canta, a tudo o que fala,
perguntai-lhes que horas são;
e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio,
hão de vos responder:

- É a hora da embriaguez!
Para não serdes os martirizados escravos do Tempo,
embriagai-vos sem tréguas!
De vinho, versos ou virtude, como achardes melhor."



Charles Baudelaire

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Insônia

Sinto na língua a 
expressão da palavra
calada pela mudez tímida
da mão


inteiro 
o corpo pulsa
Olhos, dorso e coxas sentem-se no leito
pouco defasados
das batidas do coração


E ando
sobre uma estreita divisão:
PRISÃO X livres 
Ver os lados
perceber
Impressões sensoriais
ou sentidos impressos?


O tempo insiste


Faz-me esperar por
Algo a me revelar
Algo a me levar
Algo a me ver
Algo a mim, velar
Algo a mim, valer.


E eu persisto
medito itinerante
aguardando o crescer
nesse leito pulsante.


nathalia colombo

domingo, 19 de dezembro de 2010

rose

Vejo o sol ao seu redor
a chuva
o frio
a noite e
o dia.


Pele escura
Olhos embaçados
Suja em farrapos.


Gente a sua volta


Uma quentinha ali do prédio
Um copo d'água da vizinha
Um agasalho esquecido
Um livro de sinhazinha.


A rua é solidária
até em suas esquinas


Mas,
e quanto ao olhar de rose?
Quem há de resgatar
Seus cinqüenta anos perdidos
entre o lixo, o lapso e a indiferença?
Como recuperar do nada
A alegria que de tudo lhe causa descrença?


O abandono é caminho mais curto
para a despreocupação.


Não sei.
Olho pra esquina e vejo nada.


Nem mais, rose.


nathalia colombo

sábado, 18 de dezembro de 2010

O Estrangeiro

A quem mais amas, responde, homem enigmático: a teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?
- Não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Teus amigos?
- Eis uma palavra cujo sentido, para mim, até hoje permanece obscuro.
- Tua pátria?
- Ignoro em que latitude está situada.
- A beleza?
- Gostaria de amá-la, deusa e imortal.
- O ouro?
- Detesto como detestais a Deus.
- Então! a que é que tu amas, excêntrico estrangeiro?
- Amo as nuvens...as nuvens que passam...longe...lá muito longe...as maravilhosas nuvens!



Charles Baudelaire


Weather front over Burrelton, Perthshire, Scotland

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

À Flor da Língua

uma palavra não é uma flor
uma flor é seu perfume e seu emblema
o signo convertido em coisa-ímã
imanência em flor: inflorescência
uma flor é uma flor é uma flor
(de onde talvez decorra
o prestígio poético das flores
com seus latins latifoliados
na boca do botânico amador)
a palavra, não: é só florilégio
ficção pura, crime contra a natura
por exemplo, a palavra amor



Geraldo Carneiro

sábado, 11 de dezembro de 2010

Odisséia

Os deuses tecem mantos de tristeza
para que não nos falte o que cantar.

Geraldo Carneiro

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Observação

Cotidiano prosaico:
cada um possui algo 
a dizer
sobre vida, bens
beleza, felicidade.
Mas,
no seio do prosaico
Todos 
sempre farão versos
de amor, desejo
tristeza e saudade.


nathalia colombo

Um instante

Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis

sem começo
nem fim

aqui me tenho
sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
transparente



Ferreira Gullar

sábado, 4 de dezembro de 2010

O menino da praia

Dia quente
Areia morna 
Água fria


O menino chegou


Movimento ondulatório:
O mar recua
ele avança
O mar avança
ele recua...


Nada mudou


Dia quente
Areia morna
Água fria


Só no menino
Que num rompante
Mergulhou.

nathalia colombo

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O Voo

Texto de Menotti del Pichia


Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.


Não indagues se nossas estradas, tempo e vento,
desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.



Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre
para o mais alto.



No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens
na garganta.
Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desce que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.